Imagine que certa manhã, após se preparar para mais um dia de trabalho, você perceba que perdeu a chave de seu carro. Após uma busca sem sucesso, você decide fazer uma oração, na esperança que o Senhor o ajude a encontrar o item tão necessário. Minutos depois, você se lembra aonde havia deixado a chave e em humildade agradece a Deus pela singela ajuda. Já passou por uma situação parecida?
Se sua resposta for positiva, você provavelmente vivenciou um dos paradoxos teológicos e filosóficos mais complexos existentes. De que forma? A complexidade da questão reside em dois conceitos que quando analisados além da superfície possuem implicações difíceis de serem compreendidas.
A Onisciência de Deus
Um dos fundamentos mais básicos e pouco questionados no Cristianismo no geral é a ideia de que cremos em um Deus onisciente; que conhece todas as coisas, estejam elas no passado, presente ou futuro. As escrituras são inequívocas sobre o assunto ao declarar que o Senhor é "Aquele que conhece todas as coisas, porque todas as coisas estão presentes diante de seus olhos..."[1] sendo a verdade "o conhecimento das coisas como são, como foram e como serão..."[2].
O problema filosófico debatido por milhares de anos consiste na ideia de que a crença no conceito de onisciência desenvolve um conflito direto com a ideia da existência do arbítrio. Se Deus conhece o fim desde o início, que diferença nossas ações teriam além de duplicar aquilo que já estava determinado a acontecer?
Voltemos, por hora, ao exemplo de sua chave perdida. Sendo Deus onisciente, pode-se dizer que ele já sabia que você perderia a sua chave e poderia igualmente e com antecedência saber se a encontraria ou não. Se tal resultado já estivesse determinado na mente de Deus e sua capacidade de olhar o futuro, faria diferença orar por intervenção divina a fim de que você encontre sua chave? A oração nesse caso é proferida devido a nossa premissa inicial de que Deus é capaz de agir para interferir na realidade a fim de tornar real algo que não teria acontecido caso não tivéssemos orado. Compreende onde o paradoxo começa a surgir?
Se Deus conhece o futuro, poderíamos dizer que Ele já sabe quem será salvo ou não? A crença em um conhecimento absoluto de todas as coisas sugere que sim. Nesse caso, para aquelas pessoas cuja visão futura de Deus sugere o fracasso na exaltação, nenhum esforço será suficiente, porque Deus já viu o resultado. Se Deus pode olhar seu futuro e ver que se formará em Medicina, possuiria você a capacidade de alterar essa escolha para um curso de Direito? Se analisarmos pela ótica da onisciência eterna de Deus a resposta é não, pois ele já viu que seu futuro seria medicina. Se analisarmos pela ótica do livre arbítrio, a resposta é sim, pois a decisão de que ramo de estudo seguir é unica e exclusivamente sua.
A capacidade de alterar sua decisão, implicaria que a onisciência de Deus não é absoluta. A capacidade de Deus de ver o futuro eterno de todas as coisas, por outro lado, implicaria que todos nós estamos presos a uma sequência de eventos e escolhas que não podem ser diferentes, criando a ideia da existência de um destino, algo que o Evangelho explicitamente declara ser falso.
"Se Deus possui um conhecimento absoluto prévio de toda a eternidade, então nem mesmo Ele poderia alterar o futuro, porque fazê-lo seria falsificar seu conhecimento anterior, e dessa forma tal informação não seria mais verdadeira."[3]
Como resolver tal problema paradoxal? A resposta parece estar em um conceito matemático conhecido como a Teoria do Caos.
Onisciência e a Teoria do Caos
A Teoria do Caos é um conceito matemático que afirma que sistemas complexos são definidos em sua maior parte por condições iniciais e que em meio ao caos presente em sistemas complexos, existem padrões, constantes, variáveis e diversos fatores iniciais, que quando alterados na menor das escalas, produziria um resultado drasticamente diferente. [4]
Um dos pontos mais conhecidos nessa teoria é o chamado Efeito Borboleta, um exemplo metafórico relacionado a Teoria do Caos que afirma que o bater de asas de uma borboleta é capaz de iniciar uma série de eventos que em anos culminarão em um furacão do outro lado do mundo.
Provavelmente todos nós somos capazes de enxergar grandes eventos que aconteceram em nossas vidas unicamente porque muito antes uma pequena escolha desencadeou uma sequência de acontecimentos que conduziram a tal grande evento. Se 13 anos atrás eu não tivesse decidido estudar o colegial no período noturno, não teria conhecido os amigos que me apresentaram o Evangelho e não teria servido uma missão. Sem servir em minha missão, não teria conhecido a amiga que me apresentou minha ex-esposa, não teria me mudado para os Estados Unidos e nem teria minha pequena filha Elisa e uma série de outros fatores em minha vida atual. Tudo por causa de uma decisão tão pequena como o "bater de asas de uma borboleta."
A relevância da Teoria do Caos no grande esquema de eventos do Evangelho e onisciência de Deus parece estar delineada em um entendimento potencial, ao invés de absoluto de tal onisciência. Talvez a onisciência de Deus seja reflexo de Seu conhecimento de todas as variáveis iniciais, e não do resultado final.
Talvez a história do universo seja escrita e tenha seu final modificado a cada esquina e a cada escolha, sendo Deus capaz de ver ou prever todas as sequências de eventos possíveis dentro de cada ato ou evento escolhido conscientemente ou por mero acaso. Nesse caso, diferente de um filme cujo final já está determinado, o elemento "arbítrio" age como um modificador imprevisível, produzindo um final diferente para o "filme" a cada escolha tomada.
Conclusão
Dessa forma, é possível preservar a crença em um Deus onisciente, adotando uma perspectiva potencial absoluta ao invés de apenas absoluta. Nesse cenário, Deus pode ver o futuro em momento X, mas tal futuro muda a cada escolha de sua criação, podendo ele ser diferente se o Senhor acessasse o mesmo futuro em momento Y.
Como o físico teórico Paul Adrien Maurice Dirac afirmou, "Deus é um matemático de uma ordem muito alta e Ele utilizou matemática avançada na construção do universo."[5]
No campo da física, um determinado momento está associado a existência de um local e um tempo. Desse princípio surgiu o conceito de "espaço-tempo", sendo cada momento registrado em um ponto específico do espaço no universo e um tempo específico da eternidade. Se Deus habita fora do espaço-tempo, é absolutamente plausível como ele é capaz de acessar qualquer ponto da dimensão do espaço e cruzá-lo a qualquer ponto da dimensão do tempo.
Em um mundo que retrata Deus como um mero ilusionista, capaz de tirar coelhos de uma cartola sem uma explicação minimamente razoável de como seu poder funciona, fico maravilhado em contemplar a criação e perceber que a ideia de um Deus cientista e matemático é muito mais sensata e coerente. Tal conhecimento nos relembra que cada página de nosso futuro é escrita em cada pequena decisão, aqui e agora como o bater de asas de uma borboleta.
Referências
[1] D&C 38:2
[2] D&C 93:24
[3] God's Knowledge, FairMormon.org
[4] Boeing (2015). "Chaos Theory and the Logistic Map". July 16th, 2015.
[5] Paul Adrien Dirac, The Principles of Quantum Mechanics; 1958
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