A teoria da Evolução das espécies tem sido por muito tempo motivo para grande debate dentro e fora da Igreja. Aceitá-la requer analisar a descrição da criação como um processo natural e descrito simbolicamente pelas escrituras. Rejeitá-la por sua vez torna necessário fechar os olhos para milhares de evidências científicas que atestam que a Terra é extremamente velha e que vida e morte tem acontecido por bilhões de anos.
De 1920 a 1927, o Setenta Brigham Henry Roberts, mais conhecido como B. H. Roberts preparava-se para publicar seu livro A Verdade, O Caminho, A Vida, não apenas como mais um livro de princípios espirituais, mas como uma análise profunda dos aspectos centrais e únicos do Evangelho Restaurado e ponderações sobre como eles se conectam. Dentre os muitos tópicos abordados em seu manuscrito, sua visão sobre a Criação e a Teoria da Evolução viria a se tornar a mais controversa e marcaria o início de um grande debate entre Autoridades Gerais.
Esse artigo não visa analisar o mérito da Teoria da Evolução no contexto da Criação, mas relembrar o desenrolar do embate sobre o assunto e as lições que podemos aprender sobre isso. Um artigo específico sobre a Teoria da Evolução pode ser encontrado em nosso site CLICANDO AQUI.
Morte Antes da Queda
Embora o manuscrito de B. H. Roberts trouxesse a tona o assunto, debates e o posicionamento de Autoridades Gerais sobre a Teoria da Evolução não eram novos. Muitos líderes rejeitavam a teoria publicamente, enquanto outros a defendiam. Roberts promovia sem causar alvoroço a ideia de que a Terra é muito mais velha do que os milhares de anos normalmente atribuídos à interpretações escriturísticas. [1] Embora diferentes líderes tivessem perspectivas variadas sobre isso, a ideia não imediatamente se chocava com nenhuma pedra fundamental do Evangelho e por essa razão não era percebida como controversa. A polêmica iniciou quando B. H. Roberts passou a apoiar e ensinar que vida e morte de plantas, animais e seres humanos aconteciam por tempo indeterminado antes do que as escrituras pareciam indicar.
Para Roberts, as evidências apoiando essa conclusão eram incontáveis e inquestionáveis. A discrepância teológica iniciava em como associar essas evidências com a ideia comum de que Adão foi o primeiro homem e que apenas por meio de sua queda a morte foi introduzida no mundo. Como explicado pelo pesquisador Richard Sherlock:
"Neste momento, Roberts claramente se deparou com um dilema. Para ele, a evidência para a antiguidade das formas de vida pré-datava a cronologia das escrituras de tal maneira que era impossível simplesmente mover a época de Adão em alguns milhares de anos invocando uma teoria de erro de tradução da Bíblia. Nem podia ele eliminar um Adão literal em favor de uma interpretação mais simbólica do dos primeiros capítulos de Gênesis... Adão era uma pessoa real com uma missão divina. Mas ele não era, entretanto, a o primeiro homem neste planeta. Adão representava o início da Dispensação Adâmica, mas antes dele, uma raça inteira de seres humanos havia vivido e morrido na Terra. Esses "pré-Adâmicos" foram simplesmente destruídos em uma catástrofe que "limpou" a terra antes de Adão, deixando apenas restos fossilizados como evidência de sua presença."[3]
B. H. Roberts acreditava que sua obra tinha o potencial de unir a teologia do Evangelho com a ciência e que essa união era necessária para evitar que a Igreja se colocasse em uma posição de negacionismo científico, o que resultaria na perda de membros com formação acadêmica. O manuscrito de Roberts foi então revisado por um comitê do Conselho dos Doze Apóstolos e inúmeros pontos foram levantados como questionáveis, sendo quase todos de pouca relevância doutrinária. O comitê, entretanto, citou objeções com relação à ideia de que Adão não havia sido o primeiro homem na terra e à morte antes da Queda e encorajou Roberts a eliminar de sua obra tais passagens, consideradas especulativas.
B. H. Roberts vs Joseph Fielding Smith
Posteriormente, um dos membros desse comitê, o então Apóstolo Joseph Fielding Smith, iniciou a publicamente referir-se aos ensinamentos de B. H. Roberts sobre a Teoria da Evolução como falsa doutrina. Na Conferência Genealogica de 1930, Elder Smith proferiu:
"Até mesmo na Igreja há alguns que agoram promovem que a terra era habitada com uma raçã ou talvez muitas raças muito antes dos tempos de Adão. Estes homens desejam, claramente, harmonizar os ensinamentos bíblicos com os ensinamentos da ciência moderna e filosofia com relação à idade da Terra e a vida contida nela... Não há apoio para isso nas escrituras nem uma palavra autêntica para apoiar isso."[4]
Roberts pregava que raças pré-Adâmicos existiram. Joseph Fielding Smith rejeitava tal ensinamento. Roberts contatou o então Presidente Heber J. Grant com o objetivo de verificar se Joseph Fielding Smith falava pela Igreja ou por si mesmo. Ele escreveu:
"Se Elder Smith estiver meramente promovendo sua própria posição eu questiono sua competência para manter tal dogmatismo tanto como acadêmico como Apóstolo. Estou convencido de que ele não é competente para falar de tal maneira por meio de pesquisa sobre o assunto." [5]
Em 1931, a Presidência da Igreja ouviu em sessões separadas uma apresentação por B. H. Roberts apoiando a ideia de humanos pré-Adâmicos e morte antes da Queda e a de Elder Smith não apenas promovendo uma visão literalista da Criação mas atribuíndo os ensinamentos de B. H. Roberts e as evidências em favor da evolução como falsas e provenientes de Satanás. [6] A preocupação de Elder Smith residia na ideia de que sem Adão, não há queda. Sem queda, não há necessidade de Expiação. Sem Expiação, Não há necessidade de um Salvador. Tal linha de raciocínio gerava em Joseph Fielding Smith a percepção de que toda a estrutura do Evangelho corria risco.
Em Abril do mesmo ano, a Primeira Presidência enviou um memorando para Autoridades Gerais ressaltando o peso das palavras de líderes da Igreja quando se pronunciam de maneira assertiva e definitiva sobre assuntos doutrinários e o fato de que nessas ocasiões, suas palavras são normalmente atribuídas pelos ouvintes como vindo da Igreja. Em seguida, a Igreja se pronunciou sobre a validade dos pontos e evidências levantadas por Roberts e Elder Smith afirmando que o ensinamento de pré-Adâmicos não era uma doutrina da Igreja, mas reiterando que a inexistência desses povos também não constituía doutrina oficial da Igreja. O memorando afirmava que "Nenhum dos lados da controvérsia foram aceitados como doutrina" ou em outras palavras, a Igreja adotava uma posição de neutralidade com relação ao embate.[3]
Dessa mensagem surgiu a conhecida citação da Primeira Presidência de 1931 que afirma:
"Sobre as doutrinas fundamentais da Igreja todos concordamos. Nossa missão é prestar testemunho do Evangelho Restaurado... Deixem a Geologia, Biologia, Arqueologia e Antropologia, nenhuma das quais tem a ver com a salvação das almas da humanidade, para a pesquisa científica, enquanto magnificamos nosso chamado na esfera da Igreja."[3]
O memorando foi visto como sábio aos olhos de líderes como o Apóstolo James E. Talmage como uma maneira de pacificar a discussão. Talmage, entretanto, não apenas possuía reputação inquestionável como membro dos Doze Apóstolos mas também era uma cientista do campo de Geologia, e meses depois no mesmo ano, apesar de não possuir uma posição definitiva sobre a evolução, defendeu vários dos pontos levantados por B. H. Roberts, como o da Terra extremamente velha e possibilidade de civilizações pré-Adâmicos. Talmage parecia adotar uma posição de equilíbrio entre acreditar em morte antes da Queda, ao passo que questionava a existência de pré-Adâmicos, mas demonstrava desconforto com o ataque que alguns líderes faziam de estudos de Geologia, a disciplina que havia dedicado uma vida para se especializar.
Após a morte de B. H. Roberts e James E. Talmage, John Widtsoe, outro Apóstolo e cientista da Igreja se pronunciou em favor da Teoria da Evolução, embora não compreendesse todos os pormenores. Ele afirmou:
"A anatomia comparada e testes sanguíneos indicam semelhanças próximas entre o homem e muitos animais inferiores... Se toda a criação existente for corretamente classificada, será possível proceder de homem, no topo, às formas mais inferiores de vida, através de pequenas mudanças. Ninguém, muito menos a Igreja, se opõe a estes fatos, caso devidamente verificados. Eles são todos aceitos, aceitáveis e bem vindos. O trabalho de reunir mais conhecimento no ramo da biologia é apoiado pela Igreja... Na Terra, os elementos tendem a combinarem em formas mais elaboradas. os registros geológicos apontam para um avanço constante entre as formas de vida... Isto é, a criação como um todo moveu-se e tem se movido à diante, tornando-se mais complexa, evoluindo e progredindo."[7]
Desde a época de B. H. Roberts até os dias atuais, o debate acerca da Teoria da Evolução tem dividido a opinião de membros da Igreja, parte adotando o discurso de literalismo bíblico do Elder Smith e Bruce R. McConkie, parte apoiando a visão de Roberts e John Widtsoe com uma perspectiva de evolução como um mecanismo divino no desenvolvimento da vida e ainda uma parte que simplesmente não se importa em ponderar sobre o assunto.
O debate entre líderes da Igreja com perspectivas opostas sobre assuntos fundamentais relevantes ao Evangelho nos relembra que a posição de um líder, embora assertiva, frequentemente não constitui doutrina aprovada pela Igreja, que alguns temas corriqueiramente abordados na Igreja podem com o tempo ser corrigidos ou refinados, que diversidade de opiniões existe até no alto escalão da Igreja e que ciência e religião são mais fortes juntas, do que jamais poderiam ser separadas.
Referências
[1] The Truth, The Way, The Life, Capítulo 24.
[2] The Truth, The Way, The Life, Capítulo 31.
[3] Dialogue: A Journal of Mormon Thought. Vol. 13, No. 3 (Fall 1980), pp. 63-78 (16 pages)
[4] Joseph Fielding Smith, "Faith Leads to a Fulness of Truth and Righteousness", Utah Genealogical and Historical Magazine 21 (Oct 1930) pp. 145-158.
[5] Roberts to Heber J. Grant, Dec 15, 1930. Roberts Paper, Dec 31, 1930.
[6] Manuscrito Arquivado presente no Departamento de História da Igreja, pp. 2-3
[7] Science and Your Faith in God; John Widtsoe, 1958
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